A participação em um curso litúrgico-musical promovido pela CNBB, Regional Nordeste 3, levou-me a rever meus conceitos sobre liturgia। O curso possibilitou-me compreender que na liturgia, há um conteúdo que ultrapassa as próprias normas, conteúdo inclusive que dá sentido às normas.
Para alguns, assim como foi para mim por um bom tempo, dispor uma atenção especial à liturgia, não passaria de um apego insignificante a detalhes, inclusive controversos, dos nossos atos celebrativos। Esta postura evidencia um desconhecimento da sagrada liturgia da Igreja, de modo mais aprofundado, pois os ritos e os detalhes não são impostos, mas fluem numa harmonia extraordinária com o mistério que se celebra. Não são os detalhes, o essencial para que o Mistério seja celebrado, mas é da celebração Dele que emerge os detalhes, embelezando-a e enriquecendo-a ainda mais.
A Sacrosanctum Concilium n° 10 define: “A liturgia é o cume e a fonte de toda ação da Igreja”। Aqui está a definição por excelência. Assimilar esta definição implica, antes de mais, guiar toda ação cristã a partir da liturgia, caso contrario, nossas ações serão deficientes. Até o trabalho social com os pobres, só terá sentido verdadeiro se nascido da liturgia.
Em sua raiz a palavra é grega – leitourgía – seu significado é complexo। Teria duas raízes: “leit = povo, urgia = obra - serviço” – carregando ainda outras variantes. Podemos dizer que significa: serviço do povo, povo que trabalha, serve, age. No campo da religião do Povo de Deus: é a ação de Deus servindo e santificando seu povo, fazendo-o passar da morte para a vida; é a ação do povo, servindo e glorificando a Deus em união com Jesus, no Espírito Santo. Assim essa palavra vai aparecendo na Bíblia em vários contextos diferentes, mas nunca distante de um contexto de religiosidade.
Uma das traduções do Vaticano II é: ação simbólica cristã। Todavia, a definição mais expressiva e sintética é: liturgia é a celebração do Mistério Pascal de Cristo. Uma ótima definição, mas que exige uma compreensão dela mesma. Neste sentido, celebração é: ação ritual em clima festivo, feita com palavras e sinais sensíveis. Mas não se trata de qualquer celebração, na liturgia celebramos o Mistério da Pascal de Cristo, ou seja, fazemos memória – revivemos – o Mistério Pascal da Paixão, Morte, Ressurreição e Ascensão de Cristo. Uma liturgia cristã que não aponte para tal Mistério não é liturgia.
Com essa pequena tentativa de compreensão de liturgia já é possível perceber que ela é a base de nossa fé। Sem liturgia não existe cristão, não conhecemos nem encontramos verdadeiramente o Cristo. Por mais que o Cristo esteja em tantos outros lugares, é na liturgia que o encontraremos de fato e receberemos a graça para estar com ele onde quer que estejamos. Foi a partir desta compreensão que a liturgia deixou de ser uma dimensão secundária, para assumir uma importância prioritária na minha postura como cristão e como seminarista e, como padre futuramente. O que seria sair das rubricas para o aprofundamento? As rubricas, por minhas palavras, são: todas as normas, regas, notas e orientações concretas e práticas de como devem agir todos que estão celebrando. O Missal Romano, por exemplo, principal e mais importante livro litúrgico da Igreja Católica Romana, trás inúmeras rubricas: são geralmente letras em fontes menores e de cor vermelha que orientam como o padre e a assembléia devem fazer (as rubricas não são pronunciadas, são apenas para orientar).
Apesar de essas rubricas serem essenciais há algo ainda mais importante: entender o porque delas. O que dá sentido a todos os nossos gestos é a própria celebração, a vivência, o encontro com o Mistério, com o Cristo. De nada vele seguir todas as rubricas, a ponto de ficar preso somente a elas sem entender e viver verdadeiramente o Mistério celebrado. Caso isso aconteça, a celebração tornar-se-á vazia e não levará as pessoas ao encontro com Deus. Por outro lado, quando as pessoas deixam-se serem arrebatadas pelo Mistério, celebrando e vivendo de fato o momento, as rubricas irão fluírem naturalmente e mesmo que uma ou outra deixe de ser seguida, a celebração não perderá o seu sentido e as pessoas encontrar-se-ão com Deus.